domingo, 18 de agosto de 2013

Principais elementos nos Contratos de Construção de Navios. (Marco Antonio Moysés Filho, Marcelo Emidio Castilho, Rafael Teobaldo)



Principais elementos nos Contratos de Construção de Navios.


Marco Antonio Moysés Filho[i]
Marcelo Emidio Castilho[ii]
Rafael Teobaldo[iii]

Resumo: O presente artigo analisa os contratos de construção de navios, em especial seus contratos padrão e as cláusulas padrão encontradas, visando determinar sua natureza jurídica no ordenamento jurídico brasileiro.
Abstract: This article analyzes the shipbuilding contracts, especially the most used standard contracts and the most common standard clauses, with the objective to discover its legal essence in Brazilian law.

Palavras Chaves: Contratos. Construção. Navios. Cláusulas. Empreitada. 
Keywords: Contracts. Shipbuilding. Standard forms. Ships.

1.                 Introdução

Os contratos de construção de navios são uma das formas de aquisição originária da propriedade naval. Diante do crescimento do mercado marítimo brasileiro, mercado de  construção de navios com empresas do nosso país (sejam estaleiros ou proprietários dos navios) poderá aumentar, e consequentemente aumentar  as demandas de profissionais especializados em consultorias e também no judiciário.
O navio é claramente uma coisa, mas vale lembrar o entendimento de Georges Ripert, citado por SAMPAIO DE LACERDA (1957; p. 53), no sentido de que, ao menos poeticamente, o navio pode ser mais que uma coisa, quase uma pessoa: “O navio é, jurìdicamente uma coisa. Entretanto RIPERT comparou-o à pessoa, mostrando que, ainda em concepção, no estaleiro, já possui existência real, além de ser reconhecido por um nome, gozar de uma nacionalidade e fixar-se em um domicílio”(sic).

                         2.                 Características

Antes de adentrarmos ao contrato propriamente dito, temos que ressaltar algumas características deste tipo de contrato.
Os contratos de construção de navios possuem alta tecnologia, alto valor agregado, e consequentemente, mão de obra especializada. Mesmo uma simples solda deve atender requisitos técnicos específicos e requer trabalhador qualificado.
Não obstante o projeto também é bem específico. Cada tipo de atividade a ser exercida requer um tipo embarcação, cujas especificidades podem variar de acordo com os custos, inovações tecnológicas e até mesmo área de navegação da embarcação.

                         3.                 Contratos Padrão

Na área marítima é natural a utilização de contratos padrão (ou standard form contracts), que são contratos formulados por entidades (geralmente associações de estaleiros ou proprietários de navios) a fim de servir de base para a negociação e elaboração do contrato final. Podemos citar:
                   AWES Association of Western European Shipbuilders Form ou Shipbuilding Contract of West European Shipbuilders, de 1998. A AWES atualmente é a CESA (Community of European Shipyards Association);
                   SAJ Form: Shipbuilding Contract of the Shipowner’s Association of Japan – SAJ, de 1974;
                   MARAD Standard Form: criado pela Maritime Subsidy Board of the United States Department of Commerce (1980);
                   NSA Form: Norwegian Standard Form Shipbuiding Contract, criado pela  Norwegian Shipbroker’s and Shipbuilders Associations, de 2000;
                   NewBuildCon: Standard Newbuildind Contract, criado pela  Baltic and International Maritime Council  (BIMCO) de 2007;
                   China Maritime Arbitration Comission (CMAC): Standard Shipbuilding Contract (2011).
Apesar das disparidades envolvidas em cada contrato, pode-se dizer que a grande parte do teor destes contratos tratam dos mesmos pontos, havendo assim alguma disposições “standard”.        

4.                 Disposições Standard

                   Preço (contract price): é a determinação do preço a ser pago, que varia de acordo com o projeto e seus riscos (DICKINSON, p. 4);
                    Modalidades de pagamento (payments): visa determinar a forma de pagamentos, e deve ser analisada de acordo com o fornecimento ou não de materiais (DICKINSON, p. 5);
                   Prestações (instalments): os pagamentos são geralmente realizados de acordo com a conclusão das fases do projeto (DICKINSON, p. 6);
                   Variação Monetária (currency risk): havendo variação no preço de mão de obra ou de materiais (DICKINSON, p. 6);
                    Sub-contratação e terceirização (sub-contracting) ((DICKINSON, p. 5): é uma das possibilidades para a utilização de mão de obra variada e especializada. Há também a possibilidade de formação de joint-ventures.
                   Penalizações (liquidated damage provisions):é uma indenização pré-fixada aplicável no caso do projeto ter problemas de difícil reparação, como não ter capacidade para o volume de carga contratado (DICKINSON, p. 6);
                   Propriedade e Responsabilidade (title and risk): cláusula sobre a propriedade (title) da embarcação e o risco (risk) de não pagamentos (DICKINSON, p. 8 et seq; CURTIS, 2002, p. 57);
                   Força Maior (force majeure) (CURTIS, 2002, p. 134): visa determinar os casos de força maior, especialmente nos ordenamentos jurídicos em que os dois eventos possuem consequências diferentes para o contrato;
                    Segurança (safety and security): diz respeito à garantia bancária que o construtor apresenta ao futuro proprietário de que no caso de inadimplemento alguns valores já pagos serão indenizados pelo banco (DICKINSON, p. 8). Isto não abrange todos os pagamentos, sendo o mais comum abranger apenas os pagamentos feitos em adiantamento;
                   Classificação do Navio (Ship classification): A classificação do navios é atestada por um entidade classificadora, e é na classificação que se atesta que o navio está apto a navegar e pode ser utilizado ao fim que se destina. Geralmente é fator imprescindível para a entrega do navio e conclusão do contrato e pagamento final (DICKINSON, p. 10). Entende-se que o pagamento de inspeções durante a construção do navio são de responsabilidade do construtor.
                   Provas (trials): Engloba todos os testes que devem ser realiados durante e após a construção do navio, até a sua efetiva entrega (CURTIS, 2002, p. 79; DICKINSON, p. 11). Após a construção, e antes da entrega efetiva do navio, este é lançado ao mar, onde são feitas as provas de mar. Participam das provas de mar os engenheiros e técnicos do estaleiros, representantes do futuro dono do navio, das sociedades classificadoras e das empresas que forneceram materiais ou equipamentos. Neste momento, são realizadas diversas manobras em mar, a fim de entender e avaliar o funcionamento e o comportamento do navio.  É quando se descobre pequenos vazamentos de óleo, problemas de vedação em sistemas hidráulicos, analisa-se a viscosidade dos óleos lubrificantes, estabilidade do navio, entre outros aspectos. Geralmente, é a última inspeção visando autorização para pagamento (CURTIS, 2002, p. 90)
                   Documentação e entrega (documentation and delivery): além da construção do navio, toda a documentação deve estar em dia (DICKINSON, p. 11). Incluímos aí o registro da construção do navio perante a Autoridade Marítima, e no caso do Brasil, a averbação de quaisquer ônus  em sua matrícula (como no caso de financiamento). É nesta cláusula que será estipulada a entrega de documentos (documentation) e a entrega do próprio navio (delivery) (CURTIS, 2002, p. 115);
                   Materiais (material): é necessário delimitar quem será responsável pela compra dos materiais necessários e sua qualidade. No caso do Direito Inglês, entendendo-se a construção como uma venda futura, tal responsabilidade é do construtor (HILL, 2003, p. 79);
                   Variação de preço do Aço (Steel prices): cláusula específica sobre variação no preço de materiais, uma vez que o aço é o material mais utilizado que sofre variação de preço do mercado internacional.
                   Garantia (warranty period): tratam as partes do período de garantia contratual (DICKINSON, p. 13), contudo há que se considerar a lei aplicável ao contrato para que se conheça também a garantia legal;
                   Lei Aplicável ao Contrato (governing law): a lei aplicável ao contrato é se suma importância uma vez que os limites dos contratos em geral, são entendidos de forma diferente nos diversos ordenamentos jurídicos. Além destas questões, é essencial que se analise as possíveis leis aplicáveis e jurisdições, diante da possibilidade de competência concorrente de dois ou mais países.
                   Resolução de Disputas (dispute resolution): cláusula que descreve as possíveis formas de resolução de conflitos, como a instituição de mediação e arbitragem antes da via judicial (CURTIS, 2002, p. 207; HILL, p. 16). Estão inclusos também nesta cláusula a escolha e pagamento de peritos técnicos;
                   Incumprimento pelo Comprador (default by the buyer): a principal obrigação do comprador é o pagamento, sendo que também pode ser responsável pela compra de materiais. Deve haver previsão para o prazo de tolerância no inadimplemento, assim como a possibilidade de rescisão do contrato (SIMON, 2002, p. 186; DICKINSON, p. 14);
                   Incumprimento pelo Construtor (default by the builder): são questões que podem até mesmo ensejar a rescisão contratual com a devolução dos valores já pagos. Geralmente visam atrelar o construtor à prazos, com certa tolerância, que se não respeitados ensejam a rescisão contratual. Deve-se também estabelecer um prazo de tolerância (DICKINSON, p. 15).

5.                 Conclusão

 O crescimento econômico brasileiro, assim como sua presença no mercado mundial, são importantes perspectivas para o nosso país, e certamente a exploração dos mares, sejam das suas riquezas ou de suas rotas comerciais, é elemento essencial para que as apostas econômicas se tornem realidade.
Assim, é necessário que o país tenha não apenas uma linha de produção eficiente, mas também consultores que possam auxiliar o empresário e um sistema jurídico consciente desta árdua tarefa. Por isso, é tão importante o estudo e análise destes contratos, que há anos pacificam as relações comerciais no exterior.


Referências Bibliográficas:

BUGDEN, Paul. A look at Shipbuilding Contracts (Part I). Disponível emhttp://www.forwarderlaw.com/library/view.php?article_id=775, acesso em 09 dez 2012.
GASKELL, N. J.J.; DEBATTISTA, C.; SWATTON, R.J. Chorley and Gilles’ Shipping Law. Galsgow: Financial Times Pitman Publishing, 1987.
Community of European Shipyards AssociationsDisponível em <http://www.cesa-shipbuilding.org>, acesso em 09 dez 2012.
CURTIS, Simon. The Law of Shipbuilding Contracts. 3.ed. Londres: LLP, 2002.
DICKINSON , Hill. Shipbuilding Contracts. Disponível em ,  acesso em 20 jan 2013.
LACERDA, J.C. Sampaio de. Curso de Direito Comercial Marítimo e Aeronáutico. 3.ed. Rio de Janeiro: Livraria Freita Bastos, 1957
HILL, Christopher. MARITIME LAW. in Lloyd’s Practical Shipping Guides. 6.ed. Londres: LLP, 2003.
MACKIE, Alistair. Shipbuilding Contracts Current TrendsDisponível em <http://www.maritimelondon.com/holman_fenwick.pdf>, acesso em 09 dez 2012.
OCTAVIANO MARTINS, Eliane Maria. Curso de Direito Marítimo: Teoria Geral. v.1. 4.ed. amp. e atual. Barueri: Manole, 2012.

[i] advogado, bacharel em Direito pela UNESP, Pós-graduado em Gestão Jurídica da Empresa pela UNESP, pós-graduando em Direito Marítimo e Portuário pela UNISANTOS.
[ii] advogado, pós-graduando em Direito Marítimo e Portuário pela UNISANTOS.
[iii] advogado, pós-graduando em Direito Marítimo e Portuário pela UNISANTOS. 

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